by Cristina Fragoso
Uma rapariga nua, enrolada num plástico. Cara exangue, olhos fechados, lábios brancos. Imagem que tira a respiração a qualquer um. Uma vila até ali insuspeita, noroeste dos EU, perto do Canadá, pessoas caseiras, vizinhos... um xerife que sabe mais do habitantes do que eles próprios. Como se a primeira descoberta não fosse chocante q.b... mais uma rapariga, esta ainda viva, mas queimada, destroçada, a vaguear... elementos suficientes para nos sentarmos a assistir ao género David Lynch?

Quem matou Laura Palmer? Questão que vagueia intermitentemente durante a série que estreou nos EU no princípio dos anos 90. O FBI chega ao set: Kyle MacLachlan, dá corpo (e bem) a um polícia com métodos pouco ortodoxos – corrijo – menos ortodoxos, que se refugia numa intuição transcendental pouco típica dos seus colegas de profissão: os seus questionários são uma mistura de sugestões de sonhos e visões. Particularidades: dorme com o seu colete anti-bala e engorda à custa de tartes e donuts, tudo isto acompanhado de feições cortadas à faca e traça enigmática. E a investigação começa. Não passa pela cabeça de ninguém que ao fim de não sei quantos episódios, se chegue à conclusão de coisa nenhuma. Isto se queremos de facto concluir o filme com a descoberta do verdadeiro assassino de Laura Palmer, a típica “Rainha do Baile de Finalistas”.

Mais do que a história da morte, a circunspecção de Dale Cooper, o silêncio, os relatórios feitos a alguém que não se vê, algumas personagens menos claras e mais simbólicas, a descoberta de segredos enterrados, terríveis, de infidelidades, mentiras, maus tratos... E a série evolui, no sentido perfeitamente claro. E repito, claro no universo de quem gosta de Lynch, para quem está disposto a não saber quem é que, de facto, matou a bonita rapariga. Tanta referência lateral, toques de cor em lugares insuspeitos, olhares cheios de significado, personagens tão simbólicas que temos que estar com muita atenção para perceber o que prenunciam, o que pretendem transmitir ou anteceder, com a sua passagem no écran.

Mas o tempo é cruel e começamos a ficar com menos paciência, começamos a achar que, com tanto avanço e recuo, a série se torna um yo-yo feito de simbolismos e se perde, no caminho.Porque já começámos a viver com aquelas pessoas, com aquela vila onde qualquer um de nós gostaria de visitar (viver). Começámos a venerar a imagem de um crime quase familiar, os personagens já saíram do écran e encontramo-los, com frequência, sentados ao nosso lado. Já saímos de casa e já nos cruzámos com aquele outro que vimos no café a comer uma das inumeráveis tartes. E então, uma das noites em que mais uma vez não perdemos a série de culto, começamos a mastigar e a pastilha deixa de saber ao sabor original.
Que me desculpem os adoradores de Lynch (ah e de Mark Frost, que me desculpe o co-realizador que ainda não o tinha mencionado)
Sem nenhuma espécie de pretensão esta dissertação passa pela rama da história, mais fundo nos símbolos talvez, mas tem um objectivo simples: vejam...
E remato com uma citação de Lynch
"I liked the idea of a continuing story that sucks you into a deeper world. But Laura Palmer's killer was never meant to be discovered. The mystery was meant to float permanently above the action. Once it got solved, something beautiful was lost." |